Direção: Jim Sharman
Roteiro: Richard O'Brien e Jim Sharman
Elenco principal: Tim Curry, Susan Sarandon, Barry Bostwick, Richard O'Brien, Patricia Quinn, Nell Campbell, Jonathan Adams, Charles Gray.
Subversivo, provocativo, sarcástico, paradoxal, estranho e divertido são alguns dos vários adjetivos que certamente não dão conta de definir a experiência do criativo e ousado musical de Jim Sharman que dialoga com gêneros como a ficção científica, o terror e a comédia para veicular mensagens sociais poderosas, questionar tabus tradicionais, apontar contradições existenciais que abalam o patriarcado e sugerir, sobretudo, auto reflexões reveladoras acerca dos limites da liberdade sexual. “The Rocky Horror Picture Show” apresenta os jovens noivos Janet Weiss (Susan Sarandon) e Brad Majors (Barry Bostwick) que numa inoportuna noite chuvosa dirigem-se a casa do Dr. Everett V. Scott (Jonathan Adams), ex-professor universitário e amigo do casal. Durante o trajeto noturno de carro pela inóspita estrada que corta uma floresta, o pneu do veículo fura e sem a possibilidade de trocá-lo, o rapaz e a moça resolvem buscar ajuda numa sinistra mansão bem próxima. Com a intenção de utilizar o telefone, ambos adentram o misterioso local, convidados pelo mordomo corcunda Riff Raff (Richard O'Brien). A partir daí, Janet e Brad são levados a conhecer o excêntrico anfitrião e proprietário da residência o Dr. Frank N. Furter (Tim Curry), embarcando numa realidade exótica, concupiscente e vivendo experiências que transformariam suas vidas para sempre. O roteiro de Richard O'Brien e do próprio Jim Sharman aproveita o enredo simples, desviando a princípio o protagonismo do casal para dar ênfase a Frank, seus subordinados e o universo lascivo do interior da mansão. Os números musicais são repletos de sensualidade, pluralismo étnico e energia libidinosa, colocando o personagem de Tim Curry no centro de pequenos conflitos e situações que escancaram seu “desprendimento” sexual, sua “bissexualidade” e sarcasmo em relação à monogamia e ao imobilismo de gênero. Há um imenso desprezo irônico em relação à caretice hipócrita dos jovens visitantes, o questionamento dos padrões da “heteronormatividade”, assim como da pretensa moral cristã e dos “bons costumes”. Tanto Janet quanto Brad são envolvidos pela vibração sensual e subversiva de Frank num impulso quase automático e irrefletido, manifestando uma inclinação para os prazeres proibidos, embora tentem, em algum momento, conter os instintos e não revelar suas “transgressões” mais íntimas. De maneira geral, propõe-se uma jornada pelos meandros dos prazeres da carne, da experimentação, do abandono dos papéis sexuais e da repressão dos impulsos. Por outro lado, o aspecto revolucionário da androginia do provocativo anfitrião, sua audácia estética transgressora e seu desprezo irônico pela representatividade hipócrita da sexualidade expressa no matrimonio convencional não significam a projeção de uma mente plena e consciente, liberta das contradições e complexidades das normas, avesso à padronização tão limitadora, ao contrário, à medida que a narrativa se desenrola, o que o expectador testemunha é a faceta ambígua de um sujeito egoísta e vingativo capaz de conceber uma experiência aterradora nos moldes do Dr. Frankenstein para seu próprio proveito erótico, contradizendo o comportamento libertário e desprendido, mostrando-se mimado, tirano e punindo àqueles que ameaçam sua soberania e planos maquiavélicos. Além disso, a trama de Jim Sharman transita pelo terror clássico quando explora os elementos góticos da cenografia, da caracterização de alguns personagens (de forma amena, prevalecendo à sátira aos costumes e a sexualidade), quando traça um paralelo direto entre as ambições imorais do excêntrico transex inspiradas na loucura do famoso médico do romance de Mary Shelley e finalmente quando recorre, sem exageros e pontualmente, à violência gráfica.
A ficção científica também se embrenha no enredo extravagante e estimulante do filme já que se propõe no fim das contas que Frank, Riff Raff e Magenta (Patricia Quinn) são alienígenas do planeta “Transexual”, da galáxia “Transilvânia” e estariam no planeta Terra realizando experiências relacionadas à reprodução de sua espécie, fator que de certa forma explicaria a manifestação de atitudes e valores tão dissonantes em relação aos terráqueos (aqui se justificaria uma leitura conservadora da trama). Vale destacar ainda que o enredo de “The Rocky Horror Picture Show” é entrecortado por um narrador criminologista (Charles Gray) que atribui à estranha aventura dos jovens noivos um aspecto de caso policial inaudito e extraordinário, ao passo que interage com os bizarros acontecimentos, às vezes se deixando contagiar por eles, às vezes tentando explica-los, outras vezes tecendo observações ambíguas e conflituosas. A direção de Jim Sharman desenvolve o musical sugerindo uma espécie de comédia romântica que se desloca para uma atmosfera de terror gótico que também não se efetiva de fato. A cinematografia do longa articula com precisão o cinismo e a burla ao inserir num ambiente totalmente estranho, transgressor e lascivo um casal heterossexual padronizado que vai gradativamente pactuando com aquela realidade, além de captar com muita vibração e ousadia os movimentos sensuais das expressões, dos gestos, dos corpos e das danças. O interior da mansão pulsa uma libido disposta a quebrar as regras e a câmera de Sharman atenta a isto, explora a teatralidade exagerada das interpretações e do design de produção minimalista e malicioso. Como não poderia deixar de ser, as canções sinérgicas e contagiantes embalam “The Rocky Horror Picutre Show”, tornando a experiência do musical despretensiosa, imersiva e divertida, muito embora os temas e as mensagens abordadas sejam sérias e suscitem debates antropológicos e sociais importantes. Desta forma, musicas como “The time warp” que sugere o coito livre de regras, “Sweet Transvestite” que empodera a identidade sexual de Frank ou “Touch-a, touch-a, touch me” que dá vazão ao desejo sexual feminino são alguns exemplos contundentes do espírito desinibido e atrevido da trama. Tim Curry é o grande astro do filme com sua presença sexual impositiva, natural e dramática na pele do tirano alienígena Dr. Frank-N-Furter. A desenvoltura expressiva “drag queen” e caricata do personagem cativam o espectador, mesmo diante de sua vilania inescrupulosa. Susan Sarandon imprime uma timidez pseudo recatada ao papel de Janet Weiss, a moça aparentemente comportada e que acaba revelando uma potencia sexual reprimida. Barry Bostwick interpreta o arquétipo patriarcal ideal, o bom moço apaixonado que também não demora muito para se deixar levar pela sedução de Frank e por seus desejos íntimos inconfessos. Richard O'Brien comunica languidez macabra e misteriosa como o servo corcunda Riff Raff que a princípio auxilia o mestre em suas experiências terrestres libidinosas, mas depois se revolta contra a insensatez e o desvirtuamento do líder alienígena transex. Já Patricia Quinn está vibrante e debochada como Magenta, a companheira do estranho corcunda e empregada na sinistra mansão. A energia transgressora, carismática e audaciosa do musical “The Rocky Horror Picture Show” converteram-no à iconoclastia do cult-movie, méritos a Jim Sharman pela obra vibrante, original e resistente aos caprichos do tempo.
Por: Ábine Fernando Silva
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