Diretor: Walter Hill
Roteiro: David Shaber e Walter Hill
Elenco principal: Michael Beck, James Remar, Deborah van Valkenburgh, David Patrick Kelly, Terry Michos, David Harris, Dorsey Wright, Roger Hill, Marcelino Sánchez, Tom McKitterick.
Adaptação do romance homônimo de Sol Yurick, “The Warriors – Os Selvagens da Noite” ganhou as telas de cinema em 1979 através do produtor Lawrence Gordon e do diretor Walter Hill, conquistando expressivo glamour cult ao longo do tempo, haja vista o impacto cultural de sua potência estética, repleta de identidade visual, rebeldia juvenil e violência estilizada, tudo em completa sinergia com a realidade social e urbana das ruas e guetos nova-iorquinos dos anos 70 e 80. Cyrus (Roger Hill), o líder dos Riffs, a maior e mais influente gangue de Nova York decide reunir no Bronx todas as lideranças e membros das mais variadas, ecléticas e antagônicas facções da cidade propondo uma espécie de acordo diplomático mútuo e uma supremacia marginal e anárquica sobre cada território, intimidando e subjugando as forças policiais do Estado. Durante o evento, Luther (David Patrick Kelly), o lunático chefe dos Rogues assassina Cyrus incriminando os seus agora odiosos rivais Warriors que precisam provar sua inocência, ao passo em que tentam retornar vivos a Coney Island enfrentando a fúria de diversas gangues inimigas pelo trajeto. O roteiro de David Shaber e Walter Hill articula as peripécias da intrépida jornada noturna dos jovens Warriors de forma bastante simples e objetiva, interessado na dimensão atmosférica de cada ameaça coletiva e gradual, associando o fluxo da ação e dos combates físicos à reafirmação de valores e ideais, reforçando certos pactos coletivos e exaltando os vínculos fraternos de camaradagem e cumplicidade. Toda construção dos personagens não escapa ao crivo do estereotipo, muito embora, a retratação do convívio e as experiências de sobrevivência dos corajosos guerreiros com coletes de couro comuniquem aspectos de personalidade e comportamento que tendem a superar a corriqueira superficialidade de tratamento, sobretudo, em se tratando do emergente líder Swan (Michael Beck) e de sua inusitada companheira Mercy (Deborah van Valkenburgh). O longa extrai sua força dramática das interações coletivas, da presença imponente dos gestos, das atitudes heroicas e da ação estilizada na dinâmica fluída da montagem e na energia intensa da trilha tema, desenvolvendo uma trama linear de fuga e combates, promissora e empolgante em sua proposta fásica, calcada em níveis crescentes de dificuldade, aspecto que influenciou a posteriori a concepção do gênero de games Beat 'em Up. Se de um lado o apelo maneirista das imagens combinado a adrenalina dos confrontos e perseguições torna a experiência do filme imersiva e eletrizante, por outro lado, a vilania gratuita e canastra de Luther, assim como sua fortuita responsabilização pelo assassinato de Cyrus concorrem como algumas das fragilidades incômodas do roteiro, porém, nada que comprometa. “The Warriors – Os Selvagens da Noite” descortina um universo marginal e delinquente onde a juventude urbana largada à própria sorte, subtende-se o completo abandono do Estado, se auto emancipa na batalha pela própria sobrevivência e contra as forças repressivas da polícia, comunicando nesse processo toda sua rebeldia e reafirmando uma cultura imponente e violenta. A conexão do longa de Walter Hill com a realidade social das ruas de Nova York dos anos 70 e 80, e com o desenvolvimento, especialmente, da cultura Hip-Hop encerra pertinentes similitudes, ainda mais se, guardando as devidas diferenças e peculiaridades, o espectador lembrar que o gesto agregador e até certo ponto ingênuo do líder dos Riffs lá no início do enredo tentando unir “tribos” hostis e belicosas encontra eco no importante trabalho social e comunitário levado a cabo nas festas do Bronx pelos DJs Kool Herc e Afrika Bambaataa, precursores do movimento Hip-Hop. Claro que a obra de Hill, como já mencionado, se pauta numa caricatura mais abrangente e difusa das gangues, tornando aquele mundo fantasioso e pausterizado, sem compromisso direto com um viés crítico e realista, voltado à promoção de uma estética exótica, agressiva e sedutora cuja fotografia do prolífero Andrew Laszlo empresta contornos eloquentes, destacando uma cenografia decadente e insalubre da metrópole noturna (sugerindo um ambiente pós-apocalíptico) e chamando a atenção aos figurinos e maquiagens estilosos. A direção de Walter Hill por sua vez espetaculariza a violência através da teatralidade coreografada dos confrontos, aproveitando muito bem o arsenal típico das gangues e o design cenográfico como recursos de guerra com seus pedaços de cano e madeira, correntes, garrafas quebradas, canivetes e tacos de beisebol. Os planos mais abertos contemplam o registro plástico e enérgico da ação, recorrendo frequentemente ao slow motion e a uma edição nítida e precisa. A jornada de sobrevivência do destemido Swan e seus guerreiros de volta a Coney Island envolve bravura, pancadaria, estratégia, diversão, honra, companheirismo e de quebra um romance truculento, ingredientes imprescindíveis na receita de um gênero que Walter Hill conhecia como ninguém. Eis que o cinema de entretenimento conscientemente oferece sua versão escapista, romantizada e fantasiosa da caótica realidade marginal e violenta de uma cidade e uma geração, estimulando, como partícipe da indústria cultural, o fetiche por uma estética rebelde, difusa e comercialmente palatável.
Por: Ábine Fernando Silva