Direção: Ridley Scott
Roteiro: Callie Khouri
Elenco principal: Thelma (Geena Davis), Louise (Susan Sarandon), Darryl (Christopher McDonald), Detetive Hal (Harvey Keitel), J.D. (Brad Pitt), Jimmy (Michael Madsen).
Road-movie com cara de manifesto feminista, "Thelma e Louise” de Ridley Scott é um filme cheio de vigor transgressivo e que se propõe, através do protagonismo de suas duas "heroínas", escancarar e denunciar o crescente desmando machista e seus valores tradicionalmente arraigados na vida social estadunidense. O tom um tanto despretensioso que Scott adota num primeiro momento, recorrendo a uma encenação mais leve e evocando a aventura de um simples retiro entre amigas, logo vai ficando para trás e assumindo um viés mais sombrio e até inesperado, a medida em que Thelma e Louise decidem enfrentar a opressão masculina, impondo-se aos seus desmandos e violências. O roteiro simples do filme (vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original em 1992), acompanha duas jovens mulheres que resolvem "pegar a estrada" para um fim de semana no campo, longe do cansativo trabalho e das preocupações domésticas. No entanto, uma série de situações imprevisíveis e inusitadas são desencadeadas, muitas delas provocadas por sujeitos imbecilizados, egoístas e violentos, fazendo-as lutar e resistir com os meios que dispõem. A trama de Callie Khouri além de se alimentar de uma série de embates mais ou menos inusitados que subvertem os planos e rumos das protagonistas, aposta no desenvolvimento gradativo das personagens vividas por Geena Dave e Susan Sarandon. É interessante como o texto de Khouri consegue tecer personalidades tão distintas, mas, complementares, conscientes e convictas da importância de seus pactos de lealdade e vínculos solidários, fruto, aliás, dessa identificação e cumplicidade feminina com os sofrimentos históricos de uma estrutura social machista. Não é atoa que o espectador também se compadece com a revolta da dupla, legitimando, inclusive, suas transgressões ilegais que acabam escalando de forma vertiginosa, convertendo-as, inevitavelmente, em criminosas foragidas. Da mesma forma, a trama sugere uma discreta concessão diante de todo esse contexto opressivo e arbitrário que as amigas enfrentam, uma vez que a figura mais lúcida e sensível do detetive Hal (Harvey Keitel) parece ser a única a se salvar em relação a praticamente todos os outros personagens masculinos da obra, como é o caso de Darryl (Christopher McDonald), o marido egocêntrico e idiota de Thelma ou J.D. (Brad Pitt), o caipira galante, desengonçado e desonesto.
A direção de Ridley Scott articula uma narrativa realista e perscrutadora, explorando os detalhes íntimos da relação entre as protagonistas, captando com naturalidade suas emoções e demonstrando um extinto apurado de concepção e ritmo entre as sequências e os atos, por meio de um ótimo senso de progressão e concatenação, resultado de uma montagem extremamente eficiente. Chama a atenção essa estética "road movie" que Scott insistentemente persegue captando as belas paisagens naturais, absorvendo a exuberância das inóspitas estradas cortadas pelo Ford Thunderbird azul e comunicando esse espírito de libertação e rebeldia das mulheres, cuja metamorfose, resultado de uma tomada de consciência e de uma postura firme de resistência ao longo da jornada, materializa-se, inclusive, pela mudança radical nos figurinos que vão abandonando estereótipos femininos mais tradicionais. A direção aproveita bem o talento, a espontaneidade e o entrosamento das performances de Geena Davis e Susan Sarandon para alcançar efeitos dramáticos intensos e memoráveis. Essa química perfeita entre as personagens funciona não apenas pelo impacto em cena das atrizes, mas sobretudo, por conta dessa ideia de complementação das características de personalidade que ambas apresentam, haja vista que uma Thelma mais ingênua, imatura e impulsiva acaba encontrando respaldo e vice-versa numa Louise mais madura, realista e cautelosa. "Thelma e Louise” de Ridley Scott é um conto de superação e de resistência às injustiças machistas, desejo de manifestação pura e espontânea da liberdade e autonomia, conquistadas com muita bravura, coragem e sacrifício. Àquela cena final do suicídio em que as protagonistas se lançam de carro precipício abaixo, sustenta, ao meu ver, a ideia de um salto rumo à glória, encerrando uma espécie de "apoteose do empoderamento feminino" ao fim da jornada.
Por: Ábine Fernando Silva
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