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  • Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Them (2021)/1ª Temporada - Impressões

Criação: Little Marvin

Elenco principal: Deborah Ayorinde, Bashy, Shahadi Wright Joseph, Melody Hurd, Alison Pill, Jeremiah Birkett, Christopher Heyerdahl,

Disponível: Prime Video.

Produzida pela Amazon Studios e lançada em abril de 2021, a série antológica “Them” de Little Marvin busca aproveitar essa potência contemporânea do terror psicológico tributário à crítica social, mais ou menos na esteira do que propõe Jordan Peele e Robert Eggers, para desenvolver ao longo de dez episódios uma narrativa extremamente “opressiva” e “indigesta”, cuja abordagem do racismo nos Estados Unidos da década de 1950 opera numa escalada vertiginosa e hedionda, como se a produção buscasse gradativamente, capítulo por capítulo, chocar o espectador, explorando sem titubeios, a desumanização e a violência extrema a que são submetidas uma família negra da Carolina do Norte que se muda para um bairro branco num subúrbio de Los Angeles. Uma das coisas mais desconfortáveis e ao mesmo tempo surpreendentes no texto de “Them” é sem dúvidas, sua franqueza corajosa e seu ímpeto provocativo ao lidar com um tema tão sério e doloroso, inclusive, desdobrando-lhe numa proposta sobrenatural macabra e angustiante, ampliando desta forma, seu próprio escopo criativo que parece visar essencialmente a “denúncia”, abordando sob os mais variados prismas, uma série de manifestações individuais e coletivas repugnantes de um fenômeno social doentio e nefasto. A série progride lançando mão de um realismo estilizado que açambarca uma encenação tensa e carregada, às vezes cínica e irônica (quando o foco é a vizinhança branca), mas intensamente dramática e violenta que pouco a pouco vai sendo atravessada por elementos convencionais de um terror psicológico e fantasmagórico, conectado a uma subtrama sinistra que se elucida lá pelo nono episódio (Pacto). A crueldade engendrada pelos brancos no enredo chega a soar tão sádica e abominável (o episódio 5 – Exigência é um exemplo) que não seria de se espantar uma queda de audiência da série, uma vez que a direção parece apelar para um tipo de abordagem explicitamente gráfica e sem censura. Por outro lado, a dinâmica instigante que o roteiro consegue imprimir aos eventos, inclusive, dotando de muita profundidade e carisma cada membro dos Emorys pesa para que o espectador “aguente firme”, ainda mais porque a narrativa sustenta todo um estilo virtuoso e impecável, percebido, sobretudo, na fotografia de época, nas performances intensas do elenco e nas nuances sugestivas do design de som que inclui uma trilha ilustre com nomes como Diana Ross, Nina Simon, James Brown, etc. O casal Livia (Deborah Ayorinde) e Henry (Bashy), assim como as filhas Ruby (Shahadi Wright Joseph) e Gracie (Melody Hurd) passam a viver um verdadeiro pesadelo asfixiante em vigília e que vai ganhando contornos intrigantes na medida em que a trama sugere uma espécie de maldição diabólica da nova residência, sem, contudo, abdicar de uma tese mais racional que justificaria aquelas aparições ligadas individualmente a cada personagem como uma “projeção” autodestrutiva oriunda dos medos e traumas que o racismo produzia em suas vidas. “Them” consegue se equilibrar nessa ambiguidade e intrigar o espectador justamente porque a hostilidade desumanizadora de todos os ambientes sociais do enredo (vizinhança, trabalho, escola, etc.) funciona por si só como catalisadores da discórdia e da insanidade. Little Marvin aposta numa tensão opressiva que pouco produz alívio ao longo dos episódios, isto porque ao avolumar-se o nível de violência racista, o destino da família negra adquire contornos trágicos evidentes, ainda mais reforçados pela desconfiança e a eminente desintegração dos laços afetivos entre marido e mulher, mãe e filhas, etc. Toda essa angústia e desespero transmitidos em tela “resgata” com muita propriedade o legado histórico perverso do racismo estadunidense, desde as leis “Jim Crow”, a reconfiguração territorial inescrupulosa de Campton pelas mãos da especulação imobiliária, ao “blackface”, evidenciando a persistência da desgraça dos afro-americanos ao longo das gerações, inclusive, do ponto de vista de uma mística diabólica ligada à figura do ancião Epps (Christopher Heyerdahl), líder de uma comunidade cristã branca e corrompida do século XIX. Nesse sentido, o terror contido na obra de Marvin funde eventos reais e fenômenos sobrenaturais para intensificar os sofrimentos dos Emorys até um limite que beira o “insuportável”, para ai sim, no último capítulo, extravasar de vez numa contraofensiva arrebatadora e catártica que encontra na união, na solidariedade e no amor familiar, o antídoto para triunfar sobre os racistas, seja no plano físico, seja no metafísico.

 

Por: Ábine Fernando Silva

 

Nota: 9 / 10

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