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  • Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Tio Frank (2020)

Direção: Alan Ball

Roteiro: Alan Ball

Elenco principal: Sophia Lillis, Paul Bettany, Peter Macdissi, Stephen Root,  Margo Martindale, Steve Zahn, Judy Greer.

Disponível: Prime Video

Produzido pela Amazon, “Tio Frank” do diretor e roteirista Alan Ball (ganhador do Oscar de Melhor Roteiro Original por Beleza Americana de 1999), desenvolve uma narrativa delicada e intimista, abordando alguns conflitos individuais e coletivos provenientes, sobretudo, de certa visão provinciana, ortodoxa e religiosa, reprodutora de uma mentalidade homofóbica perversa e devastadora. Além disso, o filme versa de forma bastante sensível sobre amadurecimento, autonomia, amor conjugal, culpa, reconciliação e redenção, equilibrando com sobriedade uma trama sinuosa e maleável que transita habilmente entre o dramático, o cômico e o trágico. “Tio Frank” acompanha a adolescente Beth (Sophia Lillis), integrante de uma numerosa família caipira e habitante de uma cidadezinha no interior da Carolina do Sul nos anos de 1969, cuja relação de admiração e afeto pelo intelectual e discreto tio Frank (Paul Bettany), destoa em relação à maioria dos Bledsoe, sobretudo do intolerante avô Mac (Stephen Root) que não aceita sob hipótese alguma a homossexualidade do filho. Ao decidir-se estudar em Nova York alguns anos depois na mesma universidade em que o tio leciona, a jovem acaba descobrindo o “segredo” do seu querido e desprezado parente, casado há algum tempo com o simpático saudita Wally (Peter Macdissi). A morte repentina do velho patriarca Bledsoe acaba então reunindo Beth e o casal gay numa viagem automobilística de volta à Creekville na Carolina do Sul, onde laços afetivos serão ainda mais estreitados, assim como revelações, desgostos e traumas virão à tona lançando o atormentado Frank num acerto de contas definitivo com o passado. O roteiro escrito pelo próprio Ball é muito competente em envolver o espectador em seu fluxo sensível e intimista, alinhado à voz personalista e poética da personagem de Sophia Lillis, cujo protagonismo no enredo vai discretamente dando passagem ao cerne de um conflito familiar espinhoso oriundo da homofobia e da intolerância cultivados há anos pela insegurança e intransigência patriarcal. O texto ágil despista com habilidade seus verdadeiros motivos em boa parte do primeiro ato ao apontar para um possível desenvolvimento dramático interessado nas descobertas e transformações de uma jovem no desabrochar da idade, representante da terceira geração de uma família caipira tradicional, e que decide ser “quem de fato deseja”, superando o ciclo vicioso ao seu redor, indo cursar Literatura no ambiente progressista e cosmopolita de Nova York, inspirada no exemplo do tio. Aliás, a condição inflexiva e empoderada da adolescente é reafirmada com certa constância pela narrativa que prefere atribuir-lhe um protagonismo discreto e observador. Desta forma, o roteiro passa a concentrar sutilmente suas atenções no personagem de Paul Bettany, revelando a orientação sexual e a intimidade do rapaz com seu atencioso e carismático companheiro, aspectos que surpreendem respectivamente sobrinha e público, explicando o mal estar e o alheamento familiar do professor universitário, tratado como persona non grata e escória dos Bledsoe.

A partir daí, o longa arrefece a tensão dramática transitando para o humor, especialmente, por conta da presença meio afetada e caricata do personagem vivido por Peter Macdissi, cuja expressividade irreverente e emotiva produzem momentos hilários e intensos, o que tacitamente estabelece a empatia com o público. A força da obra de Allan Ball está no traquejo das interações teatrais entre os personagens, sejam elas mais melodramáticas ou cômicas e ao passo em que a trama cria o ensejo para o “road movie” unindo tio, companheiro e sobrinha na longa viagem, vão se acumulando situações e eventos que não só permitem um aprofundamento afetivo, sincero e humano das relações, como também lançam luz aos sofrimentos, traumas e crueldades enfrentados por homens que de alguma forma decidiram transpor enormes obstáculos para reafirmarem sua homossexualidade, descobrindo nesse processo uma forma de lidar com o preconceito familiar e social. O segundo ato do filme expõe com mais detalhes as razões do afastamento e da rejeição de Frank através de sequencias dramáticas intensas e carregadas, mergulhando em seu passado doloroso, marcado pela tragédia do suicídio de seu primeiro amor, assim como pela incompreensão e pelo desgosto paterno de Mac, sujeito duro e irascível, responsável por nutrir e sustentar no seio de sua descendência o desprezo pelo filho gay. Não atoa, a morte do rancoroso e inseguro ancião acaba representando o fim desse legado de discórdia, amargura e distância. “Tio Frank” explora os impactos nocivos de uma cultura provinciana, religiosa, rígida e antiquada sobre o indivíduo que não se encaixa nos padrões da heteronormatividade instituída, chamando à atenção para a depressão, à dificuldade de auto aceitação, à culpa, a instabilidade psicológica desencadeadora do alcoolismo e do suicídio, reflexos trágicos da desorientação, da precoce sensação de inadequação, mas, especialmente, da falta de acolhimento, compreensão e amor. Por outro lado, o trabalho do cineasta carrega o mérito da lucidez em captar com realismo os gestos e sentimentos genuínos da relação homoafetiva do casal, humanizando-a ao explorar o amor, a lealdade, a ternura e o cuidado, funcionando no sentido de desconstruir a ignorância e os estereótipos. A direção engendra uma atmosfera intimista e sentimental filtrada pela subjetividade da narradora/personagem, acompanhando, de modo geral, os dissabores pessoais e familiares de Frank por meio de uma câmera bem resolvida em sua movimentação cênica cautelosa, suave e perscrutadora, disposta pela decupagem de belos planos apurados (mais abertos ou fechados), cuja fotografia solene e poética corresponde bem à proposta dramática da narrativa e de suas discretas variações de tom. Ball persegue uma cumplicidade nos detalhes das ações e nos gestos dos personagens sentida na sinceridade orgânica das performances do trio Lillis, Bettany e Macdissi, sejam elas mais inclinadas à profusão emocional, ao drama ou ao humor leve e espontâneo, alcançando uma representação natural e realista dos acontecimentos que praticamente dispensam o impacto sensorial da trilha, bastante pontual, encontrando um ritmo aprazível traduzido pela montagem fluída e estratégica (expressa pelos flashbacks dosados e elucidativos do passado traumático de Frank), mas, acima de tudo, promovendo a humanização das relações e abandonando certo viés trágico pela conciliação. “Tio Frank” é singelo, direto, humano e propositivo em sua lição anti-homofóbica, um alento contra a persistente cultura brutalizada da intolerância.


Por: Ábine Fernando Silva

 

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