Criadores: Nicolas Winding Refn e Ed Brubaker
Elenco principal: Miles Teller, Jena Malone, Cristina Rodlo, John Hawkes, Augusto Aguilera, Nell Tiger Free, William Baldwin, Babs Olusanmokun.
Plataforma: Amazon Prime
Uma produção “Amazon Estudios" em parceria com o realizador dinamarquês Nicolas Winding Refn que também assina a produção executiva e o roteiro do projeto, “Too Old to Die Young” desenvolve ao longo dos seus dez extensos episódios (exceção feita ao último), uma trama neo-noir sórdida que mistura misticismo exotérico, corrupção policial, submundo da máfia, vingança, decadência moral e ultra violência no melhor estilo Refn de ser: planos hiper estilizados, encenação pictórica bem presunçosa, fotografia atmosférica, contemplativa e carregada de cores sugestivas, tudo muito perfeccionista, cínico e simbólico. A evocação fantástica e onírica articulada na trama captura eventos e personagens, sem perder de vista o argumento ácido acerca do diagnóstico social contemporâneo, revelando uma cultura americana violenta e autofágica, revitalizadora de fascismos e predatória, consumida pelo dinheiro e pelo poder, espiritualmente vazia e narcisista. Através de seus dez episódios, cada um referenciando um conjunto de arcanos do Tarô, a série acompanha Martin Jones (Miles Teller) um policial de Los Angeles corrupto e sociopata, responsável pelo assassinato de Magdalena (Carlotta Montanari), matriarca de um poderoso e violento cartel. Enquanto o jovem Jesus (Augusto Aguillera) busca vingança pela morte da mãe indo de encontro ao seu destino como herdeiro do império criminoso mexicano, estreitando laços com a enigmática e influente Yaritza (Cristina Rodlo), o perturbado detetive Jones assume um relacionamento proibido com a adolescente Janey (Nell Tiger Free), envolvendo-se ainda mais com Damian (Babs Olusanmokun), o chefão local da máfia jamaicana e posteriormente juntando-se a uma “cruzada” sádica e justiceira encabeçada pela guru espiritual Diana (Jena Malone) e seu cúmplice, o ex agente da CIA Viggo (John Hawkes). “Too Old to Die Young” para além das analogias e simbolismos místico-religiosos evidentes na própria construção da trama, na concepção dos personagens e na expressão voluptuosa da mise-en-scene redimensiona um enredo noir tornado repugnante e brutal, interessado no raio-x de um universo humano corrompido, fanatizado e decadente. No geral, o trabalho de Refn e Brubaker em mergulhar suas criações numa espécie de vazio existencial inexorável e num limbo psicótico, megalômano e escravizado por toda sorte de vícios escatológicos revela uma descrença completa no que veio a ser tornar a sociedade moderna e suas instituições, descortinando uma Los Angeles corrompida e babilônica. Os principais núcleos narrativos do enredo apresentam indivíduos subordinados a um ciclo intermitente de destruição e morte, ainda que figuras como Diana, Viggo, Martin e Yaritza pareçam encarnar arautos de uma justiça superior e legítima, reclamando para si uma importância mística presunçosa e até justificada no plano ficcional quando tenta convencer o espectador de uma missão redentora e sublime. Nesse sentido, as duas figuras femininas, a sacerdotisa da morte ligada ao cartel e a guia espiritual verduga de pedófilos e abusadores, tornam-se heroínas implacáveis e purgadoras; a “bruxa” Yaritza funciona como um câncer que passa a corroer as entranhas do império mafioso de Jesus, libertando do julgo exploratório masculino suas “irmãs” prostitutas e deixando um rastro de sangue e ódio.
Já a promotora pública Diana faz girar de forma manipulativa um sistema paralelo de justiçamento social através de Viggo e Martin, estimulando e satisfazendo o desejo psicótico da dupla de carrascos sob seu comando. Embora o protagonismo das duas mulheres se consolide no decorrer do enredo e suas ações reclamem uma legitimidade moral, “To Oldo to Die Young” parece envolver tudo em desolação, insanidade e ironia. A sordidez na qual todos os personagens se inserem denuncia esse mundo obscuro, violento, perverso e luxurioso, convencido da banalidade do seu próprio mal e caminhando rumo ao apocalipse. Não é atoa que a narrativa descarrega um montante de eventos insólitos de maneira banal, instigando o espectador a traçar um paralelo com a realidade social e existencial contemporânea, cada vez mais propensa ao fascismo, a influencia e corrupção da criminalidade, a fabricação de psicopatas, à relativização dos valores, ao hedonismo e a um misticismo difuso e extremista. Refn persegue um maneirismo perfeccionista e atmosférico, seja na paleta de cores carregadas, seja nos movimentos panorâmicos e sutis com a câmera ou mesmo na obsessão em fotografar os personagens quase sempre em poses videoclípticas, o que para além da contemplação hipnótica e voyeurística, acaba soando narcísico, irônico e debochado, como se a retratação formal e impecável daquela realidade traduzisse desprezo, vazio e perdição na maioria das vezes. O cineasta imprime um surrealismo pungente em sua decupagem estilizada entrelaçando o real e o metafísico, sobretudo, quando se concentra em certos aspectos do peculiar universo de suas anti-heroínas. O esmero visual é tão obsessivo e os planos tão evocativos e atmosféricos que a própria ação acarreta extensão e prolongamento temporal, tornando o ritmo da trama lento, estimulando sensações de apreensão, mistério e impacientando os menos acostumados à linguagem do diretor. De maneira geral, os capítulos já possuem uma duração longa em se tratando de uma série (entre 70 e 90 minutos) e o episódio dois “Os Amantes” acaba sendo, por exemplo, um teste de fogo para paciência, haja vista a exacerbação geniosa e estética do cineasta dinamarquês, podendo atrapalhar o interesse do público pela continuidade da experiência, compensada, no entanto, pela melhora de ritmo a partir do episódio três. A violência implícita e explícita sempre chocante é uma constante numa trama centrada na degenerescência humana, espiritual e moral, neste sentido, o episódio 5 “O Louco” e o episódio 8 “O Enforcado” se destacam pelo conteúdo cru e escatológico. Por outro lado, o tom irônico e zombeteiro que também compõe à dramaturgia da série, além de provocar reflexões sociais oportunas, aguça o desconforto, a estranheza e a curiosidade sobre um universo de personagens indigestos, ambíguos e de difícil identificação. Ainda que “To Old to Die Young” se adapte às exigências de um formato seriado, propondo uma discreta e sutil progressão do enredo, cada um de seus episódios encerra uma potencia narrativa própria, estimulante e vibrante, vaidosa no plano visual, ambiciosa na sugestão metafórica, mas, sobretudo, cínica e implacável na representação dramática. O cancelamento da continuidade do projeto, já anunciado pela Amazon, não chega a trazer prejuízos ao enredo de “To Old to Die Young” isto porque sua trama dispersa, instigante e simbólica convoca conjecturas, oferecendo ao público a possibilidade de organizar e entender sua própria experiência com a narrativa de forma livre e abrangente.
Por: Ábine Fernando Silva